Hoje acordei com um poema da Sofia de Mello Breyner que não me sai da cabeça e porquê? - porque ontem aconteceu-me um episódio que me fez ficar a pensar até que ponto é que o nosso individualismo se sobrepõe, por vezes, às nossas convicções.
- Primeiro tenho de referir que ontem eu sentia-me doente porque estava com uma forte dor de dentes e só pensava em chegar a casa e tomar um daqueles comprimidos que nos tiram as dores mas nos poem a dormir.
Mas eu conto:
Sexta feira quase seis e meia da tarde Lisboa - Rua 1º de Dezembro:
- Uma mulher daquelas que não comseguimos identificar a idade aborda-me para eu lhe dar dinheiro ou alguma coisa para comer.
Paro, e reparo que tem a tradicional bagagem dos sem abrigo, mas devidamente acondicionada e que tem, também, um cão vestido com uma capinha de fazenda.
Dou-lhe algumas moedas e peço-lhe para não ter o cão na rua ao frio. Estava muito, mas mesmo muito frio.
Resposta dela - mas eu também vivo na rua, vivemos os dois. - e dispõe-se a contar-me a sua história.
O que é que eu fiz?
Ouvi-a um bocadinho e depois cortei-lhe a palavra e disse-lhe que tinha de apanhar o comboio, que me contava o resto, da sua história, para a próxima.
Durante a viagem senti-me mal comigo. Comboios para apanhar há muitos mas se calhar oportunidades para aquela sem abrigo se deixar ouvir há poucas.
Bom, amigos já desabafei e deixo-vos o poema a que me referi e espero que aquela sem abrigo, tenha conseguido as moedas suficientes para uma refeição quente.
As pessoas sensíveis
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
Á roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão."
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
Sofia de Mello Breyner
(Livro sexto)
Um abraço
Ana Fernandes
1 comentário:
Penso que começo a entendê-la, Ana Fernandes, e penso que está com a razão. Se não fossem os pobres, coitados, e os desvalidos, que seria da caridade? Que fariam as senhoras do Banco Alimentar contra a fome? E as da Conferência de S. Vicente de Paula? E da Caritas?
Os pobres são tão precisos como os ricos. Tem razão a Ana em ter ficado preocupada com a pobrezinha e com o cão da pobrezinha, pois ambos são filhos de Deus. A pobreza também mexe muito comigo, mas reconheço que não podemos ser todos iguais e haverá sempre pobres e ricos.
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