domingo, 29 de abril de 2012

Os meus POETAS..... Lamento


LAMENTO

Pátria sem rumo, minha voz parada
Diante do futuro!
Em que rosa-dos-ventos há um caminho
Português?
Um brumoso caminho
De inédita aventura,
Que o poeta, adivinho,
Veja com nitidez
Da gávea da loucura?


Ah, Camões, que não sou, afortunado!
Também desiludido,
Mas ainda lembrado da epopeia….
Ah, meu povo traído,
Mansa colmeia
A que ninguém colhe o mel!.....
Ah, meu pobre corcel
Impaciente,
Alado
E condenado
A choutar nesta praia do Ocidente…



“Miguel Torga – Poesia Completa”


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Um abraço Ana

sábado, 28 de abril de 2012

Para os AMIGOS que partiram cedo demais....

Cântico Negro


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

José Régio - Poemas de Deus e do Diabo

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Um abraço Ana

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Os meus POETAS..... Liberdade

Liberdade

- Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.


- Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
- Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome



" Miguel Torga - Poesia Completa"


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Um abraço
Ana

terça-feira, 24 de abril de 2012

Os meus POETAS....

Porque, e citando Miguel Torga:
“ – As coisas boas esquecem. As más é que não. É que só elas deixam cicatrizes”

E porque é bom que não nos esqueçamos de como era antes....

Aqui fica:


Lembrança


Ponho um ramo de flores
na lembrança perfeita dos teus braços;
cheiro depois as flores
e converso contigo
sobre a nuvem que pesa no teu rosto;
dizes sinceramente
que é um desgosto.

Depois,
não sei porquê nem porque não,
essa recordação desfaz-se em fumo;
muito ao de leve foge a tua mão,
e a melodia já mudou de rumo.

Coisa esquisita é esta da lembrança!
Na maior noite,
na maior solidão,
vem a tua presença verdadeira,
e eu vejo no teu rosto o teu desgosto,
e um ramo de flores, que não existe, cheira.

Lisboa, Cadeia do Aljube, 6 de Dezembro de 1939
“Miguel Torga - Diário”

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Um abraço, cheio de esperança, do tamanho do mundo.

Ana

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Esperança..............

- "Uma pequena esperança, mesmo uma esperança sem esperança, não prejudica ninguém." “John Steinbeck” ________________________________________________________________ Um abraço Ana

sábado, 14 de abril de 2012

Histórias de vida …..

Há muito tempo que já nada do que se passava, no seu dia-a-dia, no País, a conseguia tirar do sério.

A sua capacidade de resistência, à falta de educação dos que a rodeavam, no dia-a-dia, dir-se-ia que era quase ilimitada. Conseguia aguentar, tudo,com um sorriso.

Mas, naquela dia, alguma coisa tinha mudado. Deu consigo quase a saltar para cima da senhora, que ao seu lado, no comboio, sem o mínimo sinal de decoro, limava as unhas com uma fúria como se o destino do mundo dependesse do grau de perfeição das ditas . O barulho que a lima provocava, era-lhe insuportável.

Mas o pior ainda estava para vir. À sua frente sentou-se um homem, na casa dos trinta, que, quando se mexia não cheirava propriamente bem.

Tentou concentrar-se na leitura, mas os contos de Miguel Torga, que não são propriamente leves, também não ajudavam.

A meio da viagem levantou-se para ceder passagem. Não compreendia como os passageiros continuavam sentados quando alguém precisava de sair, sem cederem passagem, dada a exiguidade do espaço que separa os bancos. Claro que a passageira não se dignou agradecer e deu consigo quase a “rosnar” a dizer entre dentes mas de forma audível “OBRIGADA”.

Andou o dia todo irritada, embora não o demonstrasse. Finalmente à noite compreendeu a sua irritação quando ouviu falar num qualquer programa de televisão, da legislação que interditava a apresentação dos pedidos de reforma antecipada.

Afinal a sua dor, o seu mal estar, a sua irritação, era porque :

- TINHAM-LHE ROUBADO, MAIS, MAIS UM PEDAÇO DE LIBERDADE.Deu consigo a falar sozinha:

Que foi que fizemos para merecer um Governo como este? O que era sustentável(Segurança Social) há 3 meses, agora já não o é?

Que herança, que exemplos, deixamos para as gerações futuras se permitimos que nos tirem (ROUBEM) todos os direitos?

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Bom fim de semana
Um abraço
Ana

quarta-feira, 11 de abril de 2012

HISTÓRIAS DE VIDA ….. -“Endoideci “

-“Endoideci “

Pensou a Eva para si própria quando deu por si a tentar abrir a porta da sua casa com o cartão com que abria as portas da entidade onde trabalhava.

O cansaço era muito, mas, mesmo assim, tentou fazer um exercício que fazia já há alguns anos, quando estava muito cansada.

Fechar os olhos e tentar lembrar-se da roupa que os colegas que trabalhavam com ela, na mesma sala, tinham vestida nesse dia.

Não conseguiu lembrar-se da roupa de nenhum e são apenas quatro.

- “Decididamente que ando a funcionar em piloto automático.”

Fez ainda mais uma tentativa de se lembrar da roupa da colega, do andar de cima, com quem tinha estado reunida uma boa parte da tarde e nada.

Concluiu que o seu médico tinha razão. Não podia continuar a trabalhar mais de dez horas por dia, sem sofrer as consequências.

Jantou em família e resolveu tomar um comprimido, tal como lhe tinha sido aconselhado ,pelo seu médico, para dormir. Talvez assim conseguisse desligar.

Antes de adormecer relembrou, ainda, a imagem que tinha visto nesse dia, muito cedo, e que a tinha deixado amargurada, a Mª José , a sem abrigo, a dormir, enroscada, no chão, como se fosse uma minhoca.

- Como é que um ser humano suporta tanto? Pensou ……

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É uma republicação, mas mudam-se os tempos e as circunstâncias só mudam para pior.

Um abraço do tamanho do mundo
Ana

domingo, 8 de abril de 2012

Oe meus Poetas - " Regresso"

Regresso

Quanto mais longe vou, mais perto fico

De ti, berço infeliz onde nasci.

Tudo o que tenho, o tenho aqui

Plantado.

O coração e os pés, e as horas que vivi,

Ainda não sei se livre ou condenado.



Miguel Torga – Antologia Poética


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Um abraço e deixem-se ouvir
Ana

sábado, 7 de abril de 2012

Histórias de Vida – Era uma vez…..



“Era uma vez …..…” é uma expressão que associamos à nossa infância, e que nos traz boas recordações à memória.

Lembramo-nos das histórias que a nossa mãe nos contava.

Do tempo em que os nossos filhos eram, ainda, pequenos, e nos pediam :

- Oh mãe conta lá outra vez. E nós lá recomeçávamos:

- “Era uma vez……..”


Não pôde deixar de pensar:

-Era uma vez….

- “uma menina que tinha começado a trabalhar aos dezasseis anos, que tinha podido estudar até aos quinze anos, mas que para poder continuar os estudos tinha tido que trabalhar e estudar à noite, que tinha acreditado que a uma vida de trabalho correspondia, sempre, o direito a uma remuneração (Reforma/Pensão) , para a qual tinha contribuído a vida inteira, e a que agora chamam pensão social, que lhe permitiria que após muitos e muitos anos de trabalho,41 mais precisamente, ter o direito de se reformar quando muito bem entendesse e nunca por nunca seria permitido que esse direito fosse posto em causa.

Era em tudo isto que pensava após uma das suas filhas de lhe ter dito:

- Olha mãe põe de lado a ideia de te reformares um dia destes, porque só te podes reformar aos 65 anos.

Era uma vez….. um país que tem um governo que chama piegas aos cidadãos que lhes dá continuamente murros no estômago, e que continua impune.

Era uma vez um deputado que tem um gato que se chama Gaspar. Era uma vez um ministro das Finanças que se chama , também Gaspar, e era uma vez um Pais que se chama Portugal, que tem um Governo que não tem palavra………e que está a transformar a nossa vida num pesadelo.

É, pensou para consigo :

" Era uma vez um país de brandos costumes que um dia destes acorda e deixa de o ser.

E, entã, voltaremos a contar:

- Era uma vez….
“Um Belo País, com um POVO como poucos, que estava adormecido havia muito tempo porque tinha um governo em que só havia….. sabe-se lá o quê, mas que mesmo assim lhes metia muito medo e, o tempo continuava a passar e todos ao dias alguma coisa mudava e era sempre para pior.

Até que um dia, há sempre um dia , em que se diz basta , em que o POVO acorda e o POVO deste País há - de acordar …… e era uma vez ……. "

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Um abraço Ana

Passeio BTT Aboboreiras