quinta-feira, 31 de março de 2011

"Os meus Poetas ... Exercício Espiritual"

Ouço-os de todo o lado.

Eu é que sou assim,

Eu é que sou assado,

Eu é que sou o anjo revoltado,

Eu é que não tenho santidade….



Quando, afinal, ninguém

Põe nos ombros a capa da humildade,

E vem.


Miguel Torga – Poesia Completa I

quarta-feira, 30 de março de 2011

HISTÓRIAS DE VIDA…… NUM QUALQUER AEROPORTO

Decididamente, gostava de viajar mas, não gostava particularmente de aeroportos.

Durante algum tempo, por motivos profissionais tinha tido de se deslocar para reuniões no estrangeiro. Normalmente com intervalos de três meses. Foi assim durante muito tempo.

Tentavam, do lado português, ao marcá-las, que as viagens apanhassem o fim-de-semana porque assim conseguiam conhecer as cidades onde iam decorrer as reuniões.

Devido a essa circunstância conheceu algumas cidades alemãs. Ainda hoje gostava, particularmente, de Berlim e de Londres. Tinha-se emocionado a primeira vez que tinha ido a Nuremberga.

Lembrou-se, com um sorriso, da primeira vez que tinha vista um casal homossexual a beijar-se. Tinha sido num, qualquer, aeroporto da Alemanha, há muitos, mesmo muitos, anos, e o seu espanto foi com a naturalidade com que tudo se passava. Ninguém olhava.

Foi também num qualquer aeroporto, alemão, que se cruzou com o Presidente da sua empresa e teve a certeza que o encerramento da mesma, em Portugal, estava por um fio.

E, foi ao despedir-se dos seus colegas estrangeiros, num aeroporto inglês, que sentiu que era a última vez que os ia ver.

Agora a sua ida a um aeroporto tinha tido que ver com questões familiares, uma jovem da sua família, mais uma jovem portuguesa, iria viajar, para o outro lado do Atlântico, para ter uma entrevista, para conseguir o tão desejado estágio na sua área.

Mas, pelo menos as empresas estrangeiras respondiam aos nossos jovens e convidavam-nos a aparecerem, ao contrário das portuguesas que nem respondiam.

Quem sabe se seria desta? Mas a alma ficava a doer-lhe, com a hipótese de ter de se separar por tanto tempo da sua jovem familiar.

Decididamente não gostava de aeroportos !!!!!!!!
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O meus Poetas.......

Falaram-me os Homens em Humanidade

Falaram-me os homens em humanidade,

Mas eu nunca vi homens nem vi humanidade.

Vi vários homens assombrosamente diferentes entre si.

Cada um separado do outro por um espaço sem homens

Alberto Caeiro - "Fragmentos"

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Homem do Norte

É do Norte, claro...

Um industrial do Norte foi à Noruega comprar madeira para a sua fábrica de móveis.

À noite, sózinho no bar do hotel, repara numa loira encostada ao bar.Não sabendo falar norueguês, pediu ao barman um bloco e uma caneta.
Desenhou um copo com dois cubos de gelo e mostrou-o à loira.
Ela, sorriu e tomaram um copo.
De seguida começou a tocar uma música romântica.
Ele, pega novamente no bloco, desenha um casal a dançar e mostra-lhe.
Ela levanta-se e vão dançar.
Terminada a música, regressam ao bar e desta vez é a loira que pega no bloco. Desenha uma cama, uma cadeira e uma cómoda e mostra-lhe.
Ele vê e diz:

- "Sim, sim, sou de Paços de Ferreira..."

terça-feira, 29 de março de 2011

HISTÓRIAS DE VIDA ……….. Origens

Levantou-se com febre alta e resolveu que não ia trabalhar.

Iria, nesse dia, utilizar algumas das muitas das horas a que tinha direito como compensação pelas horas trabalhadas a mais.

Sem saber porquê veio-lhe à ideia a sua terra natal. Uma pequena aldeia em Trás-os-Montes reviu a grande fraga que há logo à entrada.

Recordou -se:

- Da casa do tio – padrinho, á entrada da mesma, e lembrou-se da pequenina casa, de pedra onde lhe tinham dito que tinha nascido.

- Da fonte, que tinha uns degraus que tinham de se descer para ir buscar água.

- Do cheiro a maçãs e figos que vinha das lojas onde se guardavam os frutos para o Inverno.

- Do cheiro a café e sardinhas, petingas, fritas do pequeno -almoço.

E de ter aprendido a gostar de cebola salgada.

Lembrou-se, também, da partida que lhe tinham pregado aos cinco anos, numas férias, em que lhe puseram ratinhos bebés nas mãos dizendo-lhe que eram coelhos pequeninos. O que a sua mãe se tinha rido.

Lembrou-se da lonjura e das horas de viagem que eram necessárias para se chegar a Trás-os-Montes.

É, era uma transmontana, neta de transmontanos e minhotos, com uma mãe nascida e criada no Porto e um pai transmontano, criada, desde os dois meses, em Lisboa, mais propriamente entre Campo de Ourique e S. Bento.

Sempre tinha convivido com migrantes vindos de todo País e ouvira várias vezes a expressão:

- “ Tão trabalhador vê-se que é um homem do norte”

Deu consigo a pensar se seria verdade que existia uma alma nortenha, uma maneira de ser especial.

E lembrou-se de um poema de Miguel Torga:

Identificação

Desta terra sou feito.
Fragas são os meus ossos,
Húmus a minha carne.
Tenho rugas na alma
E correm-me nas veias
Rios impetuosos
Dou poemas agrestes,
E fico também longe
No mapa da nação.
Longe e fora de mão…..
Miguel Torga – Diário

Será que há um estado de alma nortenho ou apenas um estado de alma português?

PS – Parabéns Souto Moura

domingo, 27 de março de 2011

"Os meus Poetas ......"


Os Grandes Indiferentes


Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.

À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversário.
Um púcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.

Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas...
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.

Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao reflectir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distância próxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
Breve seus olhos calmos
Volviam sua atenta confiança
Ao tabuleiro velho.

Quando o rei de marfim está em perigo,
Que importa a carne e o osso
Das irmãs e das mães e das crianças?
Quando a torre não cobre
A retirada da rainha branca,
O saque pouco importa.
E quando a mão confiada leva o xeque
Ao rei do adversário,
Pouco pesa na alma que lá longe
Estejam morrendo filhos.

Mesmo que, de repente, sobre o muro
Surja a sanhuda face
Dum guerreiro invasor, e breve deva
Em sangue ali cair
O jogador solene de xadrez,
O momento antes desse
(É ainda dado ao cálculo dum lance
Para o efeito horas depois)
É ainda entregue ao jogo predilecto
Dos grandes indif’rentes.•
Caiam cidades, sofram povos, cesse
A liberdade e a vida.
Os haveres tranquilos e avitos
Ardem e que se arranquem,
Mas quando a guerra os jogos interrompa,
Esteja o rei sem xeque,
E o de marfim peão mais avançado
Pronto a comprar a torre.

Meus irmãos em amarmos Epicuro
E o entendermos mais
De acordo com nós -próprios que com ele,
Aprendamos na história
Dos calmos jogadores de xadrez
Como passar a vida.

Tudo o que é sério pouco nos importe,
O grave pouco pese,
O natural impulso dos instintos
Que ceda ao inútil gozo
(Sob a sombra tranquila do arvoredo)
De jogar um bom jogo.

O que levamos desta vida inútil
Tanto vale se é
A glória, a fama, o amor, a ciência, a vida,
Como se fosse apenas
A memória de um jogo bem jogado
E uma partida ganha
A um jogador melhor.

A glória pesa como um fardo rico,
A fama como a febre,
O amor cansa, porque é a sério e busca,
A ciência nunca encontra,
E a vida passa e dói porque o conhece...
O jogo do xadrez
Prende a alma toda, mas, perdido, pouco
Pesa, pois não é nada.

Ah! sob as sombras que sem querer nos amam,
Com um púcaro de vinho
Ao lado, e atentos só à inútil faina
Do jogo do xadrez
Mesmo que o jogo seja apenas sonho
E não haja parceiro,
Imitemos os persas desta história,
E, enquanto lá fora,
Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida
Chamam por nós, deixemos
Que em vão nos chamem, cada um de nós
Sob as sombras amigas
Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez
A sua indiferença.

Ricardo Reis - "Odes"
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Um bom domingo.

Ana

deuses intestinos

deuses intestinos

sábado, 26 de março de 2011

"Os meus poetas....."

ESPERANÇA

Quero que sejas
A última palavrA
Da minha boca.
A mortalha de sol
Que me cubra e resuma.
Mas como à despedida só há bruma
No entendimento
E o próprio alento
Atraiçoa a vontade,
Grito agora o teu nome aos quatro ventos.
Juro-te enquanto posso, lealdade
Por toda a vida e em todos os momentos

"Miguel Torga - Diário Volumes IX a XII
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Cuidem-se.
Um abraço
Ana

"Os meus Poetas............"

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Luís Vaz de Camões - "Sonetos”
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quarta-feira, 23 de março de 2011

HISTÓRIAS DE VIDA ….. -“Endoideci “

-“Endoideci “

Pensou a Eva para si própria quando deu por si a tentar abrir a porta da sua casa com o cartão com que abria as portas da entidade onde trabalhava.

O cansaço era muito mas mesmo assim tentou fazer um exercício que fazia, já há alguns anos, quando estava muito cansada.

Fechar os olhos e tentar lembrar-se da roupa que os colegas que trabalhavam com ela, na mesma sala, tinham vestida nesse dia.

Não conseguiu lembrar-se da roupa de nenhum e são apenas quatro.

- “Decididamente que ando a funcionar em piloto automático.”

Fez ainda mais uma tentativa de se lembrar da roupa da colega, do andar de cima, com quem tinha estado reunida uma boa parte da tarde e nada.

Concluiu que o seu médico tinha razão. Não podia continuar a trabalhar mais de dez horas por dia sem sofrer as consequências.

Jantou em família e resolveu tomar um comprimido, tal como lhe tinha sido aconselhado ,pelo seu médico, para dormir. Talvez assim conseguisse desligar.

Antes de adormecer relembrou, ainda, a imagem que tinha visto nesse dia, muito cedo, e que a tinha deixado amargurada, a Mª José a dormir, enroscada como se fosse uma minhoca.

- Como é que um ser humano suporta tanto? Pensou ……
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Cuidem-se.
Um abraço Ana

terça-feira, 22 de março de 2011

"Os meus Poetas"......

PÁTRIA

Soube a definição na minha infância.
Mas o tempo apagou
As linhas que no mapa da memória
A mestra palmatória
Desenhou

Hoje
Sei apenas gostar
Duma nesga de terra
Debruada de mar.

Miguel Torga – Poesia Completa I
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As minhas desculpas agora é que está correcto

Os meus Poetas ......

PáTRIA

Soube a definição na minha infância.
Mas o tempo apagou
As linhas que no mapa da memória
A mestra desenhou a palmatória
Desenho


Hoje
Sei apenas gostar
Duma nesga de terra
Debruada de mar.

"Miguel Torga – Poesia Completa I"
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segunda-feira, 21 de março de 2011

"Os meus poetas ................................"

Os erros

A confusão a fraude os erros cometidos
A transparência perdida — o grito
Que não conseguiu atravessar o opaco
O limiar e o linear perdidos

Deverá tudo passar a ser passado
Como projecto falhado e abandonado
Como papel que se atira ao cesto
Como abismo fracasso não esperança
Ou poderemos enfrentar e superar
Recomeçar a partir da página em branco
Como escrita de poema obstinado?

Sophia de Mello Breyner - "O Nome das Coisas"
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quinta-feira, 17 de março de 2011

Histórias de Vida………. Carências!!!!!!

A Eva saiu de casa a correr para ir ao “lugar” comprar ovos e pão ralado para fazer uns bifes panados.

Entrou no lugar, dirigiu-se para o sítio dos ovos, agarrou, também, no pacote de pão ralado e dirigiu-se para a caixa.

Estava cheia de pressa. Mas a dona da loja insistiu em abrir as caixas dos ovos.

A Eva, ainda, disse:

- Deixe lá vizinha que se estiver algum ovo partido eu venho cá trocar.

A dona do lugar riu-se e disse:

- Não demora nada.

Qual não foi a surpresa da Eva quando em cada uma das caixas faltava um ovo.

A Eva perguntou o que tinha acontecido aos ovos e a senhora explicou-lhe que ultimamente era usual “desaparecerem” ovos.

As pessoas têm vergonha de pedir para vender um ovo e então tiram-nos.

- Não dão por isso? Não sabem quem o faz?

- Damos mas quando são pessoas idosas não dizemos nada.

- Já reparou que as pessoas, mais idosas, com a desculpa de que comem pouco, levam 2 batatas, 2 carcaças 1 peça de fruta, ou às vezes nem isso, apenas, 1 iogurte e 1 carcaça?

- Há gente a passar fome no nosso país vizinha. Concluiu a dona da loja.

A Eva ficou sem resposta mas a caminho de casa lembrou-se das histórias ouvidas na sua meninice:

- Carne só em dias santos, peixe eram sardinhas e pouco mais e uma dava para dois ou três, comia-se muita sopa e muito pão…..passou-se muita fome......

- Tanto Abril, ainda, por cumprir pensou a Eva…
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quarta-feira, 16 de março de 2011

Os meus Poetas ........

TELEGRAMA

Camaradas,cá vou sempre a cantar!
Os mesmos versos, mas com mais coragem.
Além de vós, além de mim, é o lar
Onde se aquece o frio da viagem.

Camaradas, prossigo,
Não sei se doido se ressuscitado.
Mas perdido ou liberto, vai comigo
O poema cantado!

Miguel Torga – Diário 1945

terça-feira, 15 de março de 2011

Os meus poetas..... Eu queria.....

Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes

Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes
Para não pensar em coisa nenhuma,
Para nem me sentir viver,
Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido.

Alberto Caeiro- "Poemas Inconjuntos"

sábado, 12 de março de 2011

Histórias de Vida – Os meus/nossos TSUNAMIS

A Eva não se conformava com o estado a que Portugal tinha chegado. Não sabia se era, também, devido ao Inverno rigoroso, das notícias da televisão, do cinismo da classe política, da tragédia no Japão, ou sobre as pequenas tragédias de que ia tomando conhecimento no dia a dia, mas tinha-se-lhe fixado uma dor no peito que não havia meio de passar.

Todos os dias tomava conhecimento das desgraças, dos pequenos TSUNAMIS, que atingiam quem lhe estava próximo e não só.

Na véspera tinha recebido um telefonema de uma amiga que já não via há algum tempo, e o mote voltou a ser a falta de trabalho. A sua amiga a seguir ao fecho da sua empresa e a um problema de saúde, grave, tinha-se reformado, mas como a reforma era baixa, não dava para nada, tinha começado a trabalhar a dias e agora estava sem trabalho.

Sabendo que a Eva trabalhava muitas horas por dia e que precisava de ajuda em casa, propôs-se ajudá-la, mas a Eva embora precisasse de mais ajuda em casa, dada a crise e o medo de voltar a ficar desempregada, não se aventurava a assumir mais compromissos e mais uma vez adiou a decisão de ajudar a sua amiga e a si própria.

Durante a conversa falou-lhe de outra amiga, que também se encontrava sem trabalho e que gostava de falar pessoalmente com a Eva e se possível naquele dia dado que estava perto da sua casa.

A Eva disponibilizou-se a recebê-la em sua casa e durante a conversa a dor no peito aumentou de intensidade. Essa sua amiga tinha estado ligada a um Gabinete de Contabilidade durante alguns, muitos, anos e porque não lhe pagavam o ordenado há mais de um ano resolveu aceitar sair, sem nenhuma indemnização, a troco da carta para o Fundo de Desemprego.

Estava a receber subsídio, mas muito pouco, mesmo muito pouco, e não se conformava com a sua situação de desempregada. Todos os dias respondia a anúncios e enviava curricula mas sem nenhum resultado. Pensou também, ela, que a Eva a poderia ajudar a ultrapassar esta fase.

Mais uma vez a Eva limitou-se a ouvir e a aconselhar a sua amiga a não desistir.
A Eva já tinha passado pela mesma situação da sua amiga e sabia o que ajudava termos alguém com quem falar.

Sentiu, mais uma vez, a dor no peito a aumentar, e lembrou-se de um velho ditado português:

“Elas não matam mas moem”-

“Numa altura em que só se fala das tragédias que se passam nos outros países será que ninguém valoriza os TSUNAMIS que se passam na vida de cada um de nós?” Interrogou-se a Eva.

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Cuidem-se.

Um abraço.
Ana

quinta-feira, 10 de março de 2011

Histórias de Vida ……Angústia

Embora estivesse de férias a Eva não conseguia deixar de se sentir angustiada.

Naquela manhã, num serviço público, tinha assistido mais uma vez à falta de respeito para com os seniores, não por parte dos funcionários, mas sim dos próprios familiares.

Uma sénior, muito sénior, na sua vez, tinha-se aproximado do funcionário e quando estava a começar a expor o seu assunto, não é que a filha, ou outra familiar se voltou para ela e disse-lhe:

- Chegue-se para lá e deixe-me ser eu a falar!

A senhora encolheu-se toda e não disse mais nada.

A Eva cada vez se sentia mais desiludida com tudo o que a rodeava.

- Será que as pessoas estão a deixar de ter sentimentos? Perguntava ela a si própria.

Mas o pior daquele dia ainda estava para vir.

Perto da sua casa, no verão passado, tinha aberto uma casa que para além dos arranjos de roupa se propunha também confeccionar roupa. Pertencia a uma recém desempregada que não querendo parar se propôs constituir o seu próprio negócio. Chamou-lhe “Boutique das Costuras”.

A Eva contactou algumas vezes com a Maria e admirava o seu espírito de luta e a sua tenacidade. Tinha preferido arriscar, após o seu posto de trabalho ter sido extinto, criar o seu posto de trabalho, dado que o que iria receber do Fundo de Desemprego era insuficiente para se sustentar.

Para além da confecção da roupa também engomava roupa para fora. Tinha para além do seu posto de trabalho constituído mais dois. Tinha contratado duas modistas.

Quando a Eva se dirigia para casa, à noite, já tarde, lá estava ela em arrumações e não raro convidada a Eva a entrar e mostrava-lhe as últimas revistas de moda.

Nos últimos tempos a Eva via a casa fechada e naquele dia resolveu perguntar a uma amiga se sabia o que tinha acontecido à Maria.

- Morreu! Não soubeste?

- Não. Quando e como foi?

- Ouvi dizer que andava muito enervada, os clientes eram poucos e as contas muitas, naquele dia tinha tido um dia stressante, foi para casa sentiu-se mal, chamou uma vizinha e quando o INEM chegou já estava em coma profundo.

- Tinha 53 anos !!!!

A Eva sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés.

- Como é que indo todos os dias ao café, ao lado da loja, ninguém tinha comentado nada com ela?

- Como é que morre alguém e não se dá importância a isso?

Ficou a saber que vivia sozinha e que segundo o que a sua amiga sabia não tinha familiares.

A Eva não conteve as lágrimas. País RASCA este em que não se dá valor a nada.
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Cuidem-se.
Um abraço do tamnho do mundo.
Ana

domingo, 6 de março de 2011

Os meus Poetas........

De que Serve a Bondade

De que serve a bondade
Quando os bondosos são logo abatidos, ou são abatidos
Aqueles para quem foram bondosos?

De que serve a liberdade
Quando os livres têm que viver entre os não -livres?

De que serve a razão
Quando só a sem-razão arranja a comida de que cada um precisa?


Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos
Por criar uma situação que torne possível a bondade, e melhor;
A faça supérflua!
Em vez de serdes só livres, esforçai-vos
Por criar uma situação que a todos liberte
E também o amor da liberdade
Faça supérfluo!

Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos
Por criar uma situação que faça da sem-razão dos indivíduos
Um mau negócio!

Bertold Brecht,
'Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas'

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sábado, 5 de março de 2011

Os meus poetas....

CHUVA

Chove um grossa chuva inesperada,
Que a tarde não pediu mas agradece.
Chove na rua, já de si molhada
Duma vida que é chuva e não parece.

Chove, grossa e constante,
Uma paz que há-de ser
Uma gota invisível e distante
Na janela, a escorrer….

Miguel Torga Diário -Março 1943

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Um abraço
Ana Fernandes

terça-feira, 1 de março de 2011

Saltitante......

POis foi Egidio o Virgilio tem razão. Criaste uma naimação toda saltitante.

Serão, ainda, reminiscências dos Power Points do Ulisses?

Um abraço
Ana

Passeio BTT Aboboreiras