domingo, 30 de setembro de 2012

"Os meus Poetas" - Engrenagem"

“Para os trabalhadores sem trabalho – rodas paradas de uma engrenagem caduca”

“ Os homens baixaram a cabeça, em anuência. Ti Paulino parou de limpar o tampo do balcão; mas nada disse, A fraqueza do negócio e os fiados, que nunca recusava, tinham-lhe amortecido a antiga tagarelice. Envelhecera muito. Apenas à hora da B.B.C. vibrava ainda fiel às ideias e aos homens cujos retratos ornamentavam as paredes.

Zé Lérias continuou: - Razão tinha eu, desde o princípio; mas ninguém quis seguir os meus conselhos…. Agora, em vez de terras, tendes aquela sombra negra para sempre. Estão ali milhares de contos à ferrugem. – E pôs-se a marralhar em certa ideia.

- O mal não é da fábrica, mas da guerra, que consome as matérias-primas e o carvão – objectou Fariseu.

- Pois sim. Mas se cada qual amanhasse uma courela, tinha pão com fartura, pelo menos. Além disso trabalhava por sua conta, que é o melhor.

- Ora o que faz o progresso são as máquinas. Há lá coisa mais bela que um motor a trabalhar!

- Isso diz você, que nunca viu nascer um pé de trigo. Progresso! Você e os mais devem ter a barriga cheia dele.

Foi estendendo a mão à esquerda e à direita, em despedida, indiferente aos argumentos do operário, e, da porta chacoteou:

- Adeusinho. Avenham-se com o progresso.

Ninguém mais falou, por muito tempo. A controvérsia envenenara o ambiente, exacerbando a raiva contra a fábrica. Os operários passaram a olhá-la de banda e a distância, e, às vezes, dirigiam-lhes palavras rancorosas.
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O alarido batia de encontro aos peitos timoratos e abalava-os como porta que se não pode abrir, mas ia cedendo. Por fim o magote fez-se num mar de trapos e bramidos e o mar rolou pela rua abaixo com fragor.
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- Parem! A fábrica…… Escutem por favor….

Foi levado na onde humana, de roldão: bateu com a cabeça nas paredes; um fio de sangue escorreu-lhe da testa até aos beiços.
Levantou-se, porém: galgou o muro da horta, em correria e embrenhou-se na sombra do hangar.
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- Mas a maioria que Robalo chefiava pretendia esfanicar o forno e os motores.
De súbito, no patim da escada que dava acesso aos maquinismos, apareceu um vulto com o bico de uma parelho de soldar acesso, na mão direita, e um ferro, na sinistra.

-Aquele que subir, queimo-lhe os olhos! – Trovejou, embora incapaz de cumprir tal ameaça.

A multidão parou estupefacta. À luz do maçarico a cara do Fariseu, lambuzada de sangue, horrorizava.
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Tenham juízo! - Berrou de novo, o operário - Qualquer dia podem aparecer comboios de carvão, e sem máquinas nunca mais haveria trabalho nesta aldeia. A culpa não é da fábrica. É de quem faz as guerras e a fome.

Tem razão - exclamou Triste. E foi como o sinal para um coro dissonante.

-Queremos pão!

- A gente quer trabalhar, e não tem onde!>



Oiçam! Aqui não se encontra que comer. Vamos à vila. O regedor Lazário foi-se embora? Pois reclamaremos trabalho ao administrador, que pode mais. Quem me acompanha?

- À vila ! À vila! Esganiçou-se a multidão, irrequieta e volúvel como as ondas do mar.

O orador desceu a escada e pôs-se em marcha. Atrás seguiu o povo da aldeia entusiasmado, passo largo, cada vez mais certo……..”

“Setembro 1944 – Soeiro Pereira Gomes- Engrenagem"


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Um abraço
Ana

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