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quarta-feira, 25 de julho de 2012
Histórias de Vida – “MEDOS”
As mesas estavam tão próximas que não pôde deixar de ouvir:
-“É melhor darmos o nosso nº de telemóvel e o da polícia aos nossos vizinhos e pedirmos que se ouvirem alguma coisa chamem a polícia.
-Para quê perguntou-lhe a mulher?
- “Assim vamos mais descansados para férias”, - respondeu-lhe o marido.”
Ouviu esta conversa no domingo à hora de almoço num restaurante de bairro, e, não pôde deixar de pensar que o MEDO estava a tomar conta dos portugueses,
Ela própria na véspera tinha estado todo o dia num estado de grande ansiedade, porque a sua filha mais nova tinha ido, pela primeira vez, a um concerto e para “apanhar um bom lugar”, tinha estado na fila desde as 9 horas da manhã e o concerto era só às 8 da noite !!!!
Cada vez que lhe ligava, antes do início do concerto e não era atendida, começava a sentir-se angustiada, MEDO tinha tido muito MEDO que lhe acontecesse alguma coisa!
As imagens que a televisão passou sobre o atentado de Utoya, já tinha passado um ano, deixaram-na angustiadas todo o fim-de-semana.
Lembrou-se que ainda há bem pouco tempo, ao ir apanhar o comboio para se deslocar para o seu emprego em Lisboa, tinha tido um “choque” :
- Ao chegar à estação dos comboios, por volta das sete e pouco da manhã, deu com dois comboios, parados, um a seguir ao outro, com meia dúzia de metros a separá-los, na linha do sentido, para Lisboa.
Dirigiu-se para o fim da estação, como era seu hábito e, deparou-se com uma multidão que ladeava um banco. Aproximou-se e viu um jovem, deitado com a camisa coberta de sangue.
“-Que tinha sido assalto diziam uns”. –“Foram os “pretos” essa cambada, diziam outros”.
Foi ter com um revisor que falava, ao telefone e que dizia em voz alta:
“ Que não sabia quando chegava o INEM e que não tinha telemóvel para ligar outra vez para o 112.”
Emprestou-lhe o seu telemóvel, para que ligasse para o 112, e, ficou a saber que não tinha sido um assalto mas sim o resultado de uma discussão entre passageiros.
- Na estação do Cacém um passageiro terá empurrado uma jovem, a mãe da jovem interveio e, o passageiro não esteve com meias medidas, agrediu as duas. O jovem, o ferido, interveio, e nem deu porque tinha levado uma facada, dada pelo tal passageiro, que entretanto se tinha posto em fuga e que afinal até era branco……
Ainda assistiu à passagem do tal passageiro, algemado, acompanhado já por polícias a caminho da esquadra.
À noite tentou saber, junto do responsável da estação se tinha alguma notícia do jovem, mas não obteve nenhuma informação.
A que estado, de alma, chegámos para que uma discussão origine tanta violência.
Não se conseguia libertar da sensação de que vivíamos uma paz, que era artificial, e que um dia destes rebentava que nem uma bolha gigante.
A ineficácia do Governo também contribuía, e muito, para o MEDO de que não se conseguia libertar. Não era MEDO físico era uma sensação de intranquilidade.
A intranquilidade de quem sente que o que foi conquistado pela sua geração está em perigo permanente:
- O Direito ao trabalho
– Quem pode ter tranquilidade com uma taxa de 18% de desemprego ??
- O Direito à saúde
– Quando ouvia alguém falar do Sistema Nacional de Saúde perdia a paciência. O que estava em causa era e é o Serviço Nacional de Saúde, consagrado na Constituição e não o Sistema Nacional de Saúde;
- O Direito à Educação
– Uma das suas filhas estava em risco de ter de mudar de escola, só porque tinha tido a pretensão de mudar de área no 10º.
- “Era o preço a pagar por não saber o que queria, tinha-lhe dito um responsável da escola” !!!!!!
A sua escola, a atual fica a 5 minutos de casa, mas as alterações resultantes dos Agrupamentos Escolares podem deixá-la sem vaga.
Se nos distraímos um pouco, só, que seja ficamos sem nenhuns direitos e, não pensava só em si pensava e muito, nas gerações futuras.
O cansaço que sentia nas pessoas com quem se cruzava no dia-a-dia, também, lhe fazia sentir MEDO. MEDO da apatia, generalizada, que pouco a pouco ia ganhando terreno no seu, nosso, País.
Ao ver as notícias das manifestações em Espanha, e, não gostava mesmo nada que nos comparassem com os Espanhóis, não pôde deixar de se lembrar de um Poema de Miguel Torga:
PANORAMA
Pátria vista da fraga onde nasci.
Que infinito silêncio circular!
De cada ponto cardeal assoma
A mesma expressão muda.
É de agora ou de sempre esta paisagem
Sem palavras,
Sem gritos,
Sem o eco sequer duma praga incontida?
Ah! Portugal calado!
Ah! Povo amordaçado
Por não sei que mordaça consentida!
“Miguel Torga-Poesia Completa”
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UM abraço Ana
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